Violência contra ativistas sociais na Amazônia brasileira: o papel do desmatamento
A Amazônia brasileira é um lugar perigoso para ativistas sociais, especialmente aqueles que lutam por direitos fundiários e pela proteção ambiental. Em nosso estudo recente, publicado no Journal of Peace Research, constatamos que altos níveis de desmatamento estão fortemente associados ao assassinato de ativistas. Argumentamos que isso se deve ao caráter altamente territorializado dessa prática criminosa, que envolve a expropriação de comunidades locais de suas terras. Essa violência é impulsionada por redes político-criminosas locais que protegem seus lucros ilegais, bem como por ordens autoritárias locais que lhes dão sustentação. Ela representa sérias ameaças aos espaços cívicos locais, à participação democrática e à proteção ambiental.
A violência contínua contra ativistas sociais na Amazônia brasileira tem gerado grande preocupação na sociedade civil, nos círculos de formulação de políticas públicas e em organizações internacionais. Entre 2006 e 2019, pelo menos 490 ativistas foram assassinados nos 772 municípios que compõem a Amazônia Legal. Esses assassinatos não são atos criminosos aleatórios, mas ataques politicamente motivados, direcionados a indivíduos que defendem direitos fundiários, o meio ambiente e os meios de subsistência das comunidades locais. Compreender as causas e os mecanismos por trás dessa violência é fundamental para elaborar estratégias eficazes de proteção, ao mesmo tempo em que se enfrentam os fatores estruturais subjacentes.
A região amazônica é moldada por uma complexa interação entre atores criminosos, corporações nacionais e estrangeiras, e redes de elites locais que competem pelo controle da terra e dos recursos. Nossa pesquisa distingue duas economias criminosas que alimentam a violência na região: o tráfico de drogas e o desmatamento em larga escala. Embora ambas gerem violência, elas diferem em sua lógica espacial e social. As redes de tráfico de drogas na Amazônia exigem principalmente acesso territorial a corredores de escoamento, em vez de controle territorial ou desapropriação de terras. Isso frequentemente leva a violentas disputas de território entre grupos criminosos. No entanto, esses conflitos não necessariamente colocam esses grupos em confronto direto com as comunidades locais.
Em contraste, o desmatamento em larga escala representa o que chamamos de uma prática criminosa altamente territorializada. Ele envolve a remoção física da cobertura florestal, frequentemente por meio da desapropriação violenta de pequenos agricultores, comunidades indígenas e defensores ambientais, promovida por redes político-criminosas locais. Tipicamente, o desmatamento começa com a extração de madeira de alto valor, seguida pela derrubada da vegetação por meio de queimadas descontroladas. Em seguida, a terra é ilegalmente apropriada, registrada por meios fraudulentos e, por fim, utilizada para pastagem ou agricultura em larga escala. Essas práticas frequentemente provocam resistência por parte de comunidades locais, movimentos e ONGs. As redes político-criminosas locais respondem a essa resistência com assassinatos direcionados de ativistas.
Neste artigo, resumimos brevemente as principais conclusões de um estudo publicado pelos autores no Journal of Peace Research. Para outras publicações da TraCe sobre o tema da violência contra ativistas sociais, veja o Box 1.
Os padrões, dinâmicas e causas da violência contra ativistas sociais no mundo contemporâneo constituem um tema importante investigado por pesquisadores do Centro de Pesquisa “Transformations of Political Violence” (TraCe).
No TraCe Working Paper 3/2024 “Targeted Violence Against Social Activists”, Juan Albarracín e Jonas Wolff revisam os dados e pesquisas existentes sobre as características, causas e transformações que marcam esse fenômeno em sua totalidade.
Download: https://www.trace-center.de/fileadmin/DatenTrace/Publikationen/2024_Working_Paper_3.pdf.
No TraCe Policy Brief 4/2024 “From Internet Shutdowns to Personal Harassment”, Laura Guntrum e Christian Reuter examinam o espectro da violência digital contra ativistas sociais.
Download: https://www.trace-center.de/fileadmin/DatenTrace/Publikationen/TraCePB2404_Digital_Violence.pdf.
Principais resultados
Nosso estudo (ver Box 2) adota uma abordagem de métodos mistos, combinando uma análise estatística de dados em nível municipal com um estudo de caso aprofundado de Altamira. Altamira é o maior município do Brasil e está localizado no estado do Pará (ver mapa). Utilizando dados sobre assassinatos de ativistas sociais, taxas de desmatamento, indicadores indiretos de tráfico de drogas e outros indicadores socioeconômicos, identificamos um padrão consistente: os assassinatos de ativistas estão fortemente associados a altas taxas de desmatamento, mas não ao tráfico de drogas.
A análise quantitativa mostra que municípios que apresentam taxas de desmatamento iguais ou superiores à mediana anual têm maior probabilidade de registrar assassinatos de ativistas. Os efeitos mais fortes aparecem nos três primeiros anos após a intensificação do desmatamento. Esses efeitos tardios sugerem que o processo de expansão territorial pelos grupos criminosos gera conflitos prolongados ao longo do tempo, culminando em violência direcionada contra ativistas sociais.

Para compreender esse padrão, distinguimos três níveis de territorialização que caracterizam as economias ilícitas na Amazônia brasileira e em outros contextos. Em alguns casos, as economias ilícitas requerem apenas (1) acesso territorial. O tráfico transnacional de drogas, por exemplo, normalmente exige acesso a determinadas rotas e áreas (por exemplo, portos) para movimentar produtos. Isso frequentemente coloca grupos criminosos rivais em confronto entre si, mas não implica necessariamente conflito com as comunidades locais.
No caso do (2) controle territorial, atividades como o cultivo de coca, o comércio local de drogas (varejo) ou esquemas de extorsão geralmente exigem que os grupos criminosos estabeleçam algum tipo de autoridade sobre um território e, pelo menos, parte da população. Em particular, isso implica a necessidade de governança do acesso territorial. Esse nível pode gerar conflitos com as comunidades locais e, portanto, altos níveis de violência. No entanto, como discutimos na seção teórica de nosso estudo (ver Box 2), o acesso territorial também pode envolver relações mais cooperativas, acompanhadas de baixos níveis de violência.
Isso é diferente no caso da (3) expropriação territorial. Nesse nível, a atividade ilícita — como ocorre no desmatamento em larga escala — exige que os grupos criminosos tomem controle do espaço físico e dos recursos de maneira que privem as comunidades da terra, da propriedade e/ou dos meios de subsistência. Em resposta, as comunidades, assim como organizações e movimentos locais que defendem direitos fundiários e ambientais, são praticamente forçadas a resistir, razão pela qual o confronto e a violência são praticamente inevitáveis.
Ao mesmo tempo, o desmatamento em larga escala e outras formas de expropriação territorial requerem proteção e cooperação ativa de atores estatais, como policiais, tabeliães, juízes e políticos. Isso facilita a impunidade que caracteriza a maioria dos assassinatos de ativistas, tanto na Amazônia brasileira quanto em outros contextos.
Este artigo resume as conclusões de um estudo abrangente que analisou 490 assassinatos de ativistas sociais em 772 municípios da Amazônia brasileira (Amazônia Legal) entre 2006 e 2019. Utilizando métodos estatísticos avançados e um estudo de caso qualitativo no município de Altamira, o estudo esclarece as dinâmicas espaciais e temporais da violência política ligada a economias criminosas. Os achados contribuem para debates mais amplos sobre governança criminosa, conflitos socioambientais e repressão a atores da sociedade civil em democracias do Sul Global.
Para mais detalhes, veja: Juan Albarracín, Rodrigo Moura Karolczak e Jonas Wolff (2025): Violence against civil society actors in democracies: territorialization of criminal economies and the assassination of social activists in Brazil. Journal of Peace Research, https://doi.org/10.1177/00223433251347784.
O estudo foi publicado como parte de uma edição especial do Journal of Peace Research intitulada “Political Violence in Democracies”. A edição especial compreende 14 artigos, estudando democracias consolidadas nas regiões mais democráticas do mundo, examinando diversas formas de violência, incluindo violência étnica, criminal, eleitoral e terrorista. Para mais informações, veja: https://journals.sagepub.com/home/JPR.
O município de Altamira ilustra de forma clara essas dinâmicas. Apesar de seu duplo status como local de intenso desmatamento e polo de tráfico de drogas, os assassinatos de ativistas não estão relacionados ao tráfico. Este último se concentra no centro urbano de Altamira e é acompanhado por homicídios gerais e disputas violentas entre grupos criminosos organizados.
Em contraste, os assassinatos direcionados de ativistas ocorrem quase exclusivamente nas zonas de alto desmatamento do município, espacialmente distantes dos corredores de tráfico de drogas. Como mostramos em nosso estudo, esses assassinatos estão intimamente ligados à resistência contra grilagem de terras, exploração ilegal de madeira e destruição ambiental. De fato, oito dos dez casos registrados em Altamira entre 2002 e 2020 ocorreram no distrito de Castelo dos Sonhos, caracterizado por altas taxas de desmatamento. Esses casos envolviam ativistas locais defendendo a terra contra madeireiros ilegais em terras públicas e a ocupação ilícita de propriedades de pequenos agricultores. Os dois casos restantes também estão relacionados a conflitos socioambientais: uma vítima era o secretário municipal de meio ambiente e a outra, um líder de trabalhadores rurais.
O caso de Bartolomeu Morais da Silva (conhecido como Brasília) exemplifica como redes político-criminosas utilizam a violência letal para proteger seu controle territorial e seus lucros. Brasília era líder do sindicato dos trabalhadores rurais (Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Altamira), filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) em Castelo dos Sonhos e um ativista conhecido por denunciar grilagem de terras, desmatamento e autoridades locais corruptas. Em 2002, ele foi brutalmente torturado e assassinado por homens armados a serviço de madeireiros e grileiros, conhecidos como a Máfia de Castelo. No entanto, seus assassinos não foram condenados, e os mandantes do crime nunca foram processados.
Conclusão
O assassinato de ativistas sociais na Amazônia brasileira é um problema multifacetado, enraizado nas disputas territoriais entre redes político-criminosas e comunidades locais. Nossa pesquisa destaca como o desmatamento em larga escala — enquanto prática criminosa altamente territorializada — impulsiona a violência letal, com o objetivo de silenciar a resistência, obter lucros ilícitos e preservar estruturas de governança político-criminosas de fato.
Essa forma de violência tem sérias implicações para os regimes democráticos: ao assassinarem ativistas individuais, não apenas enfraquecem as organizações e comunidades atingidas, como também geram efeitos intimidatórios mais amplos, limitando significativamente o espaço cívico e prejudicando os processos democráticos locais. Vale destacar que, como sugere nossa análise, essas implicações políticas não são subprodutos não intencionais de atividades criminosas voltadas exclusivamente ao lucro. Os assassinatos devem ser considerados instâncias de violência repressiva, destinadas a sustentar ordens locais moldadas por redes político-criminosas.
Enfrentar essa violência exige respostas políticas multifacetadas que abordem simultaneamente os conflitos evidentes e as causas subjacentes dos assassinatos. Primeiro, medidas voltadas à melhoria da proteção ambiental devem priorizar a prevenção do desmatamento em larga escala e combater a expansão da mineração ilegal, outra prática ilícita cada vez mais associada à violência em muitas partes da Amazônia. Segundo, instituições estatais, investidores estrangeiros, corporações e agências de desenvolvimento devem reconhecer, respeitar e ajudar a garantir os direitos coletivos à terra e a autogovernança das comunidades locais. Terceiro, e relacionado a isso, os espaços cívicos locais precisam de proteção mais efetiva. Governos e cooperação internacional podem apoiar mais os ativistas de base e suas comunidades, fornecendo respostas rápidas em casos de ameaças. Quarto, os esforços de reforma política no nível local devem visar o desmantelamento de redes político-criminosas. Quinto, é necessária uma reforma da justiça criminal para fortalecer a independência e a capacidade das agências de aplicação da lei, abordando assim o problema da impunidade. Finalmente, as causas profundas dessa violência precisam ser enfrentadas. Isso requer esforços nacionais e internacionais para reduzir os incentivos ao esbulho territorial, transformando um modelo global de desenvolvimento econômico que depende da extração e do esgotamento de recursos em larga escala.
Sem tais esforços integrados, a violência contra ativistas sociais na Amazônia brasileira (e em outros lugares) tende a se intensificar. Diante das mudanças climáticas e da contínua expansão da exploração de recursos no Sul Global, a pressão sobre terras florestais e outros recursos naturais continuará a crescer. Compreender e romper a lógica territorial da violência contra ativistas, portanto, é mais urgente do que nunca.
Nota dos autores: O ChatGPT (https://chatgpt.com) foi utilizado em uma fase inicial de elaboração deste TraCe Policy Brief para ajudar a resumir o estudo subjacente e fornecer assistência na estruturação do texto. O texto final é de nossa autoria.
Este artigo foi publicado inicialmente como Trace Policy Brief em inglês com o título „Violence against Social Activists in the Brazilian Amazon: The Role of Deforestation“ e em português. Também está publicado em inglês no PRIF Blog.
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Juan Albarracín
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